Em meio à imensidão verde e aos rios que desenham o interior do Amazonas, uma figura singela e determinada transformou a realidade de uma comunidade ribeirinha. O nome dele é Fidencio Neto, médico, tocantinense, filho do interior, que escolheu fazer da sua vocação um serviço diário de superação, cuidado e humanidade. “Quando eu cheguei aqui, minha primeira impressão foi de paixão. Cresci em fazenda, sempre amei estar perto do rio, da natureza. E encontrei tudo isso aqui, mas com uma missão ainda maior: cuidar de quem mais precisa”, relata Fidencio.
Fidencio ganhou notoriedade nas redes sociais após postar um vídeo destacando a importância do Sistema Único de Saúde (SUS) nas regiões isoladas do Brasil. O conteúdo viralizou. Chegou até o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que compartilhou a publicação e parabenizou o médico pelo trabalho. Em poucos dias, ele se tornou símbolo de um Brasil profundo, resistente — e invisível para muitos.
Natural de Oliveira de Fátima, no interior do Tocantins, Fidencio cursou medicina fora do Brasil, na Universidad de la Integración de las Américas (UNIDA), no Paraguai. Ainda durante a faculdade, sonhava em atuar na Amazônia. “Desde a época da graduação eu já sabia: quero trabalhar nas regiões mais isoladas. Sempre tive esse chamado.”
A oportunidade veio com o Programa Mais Médicos. Ele escolheu atuar em duas cidades do interior amazonense. “O município decide para onde você vai. E eu tive a sorte de ser alocado justamente numa comunidade ribeirinha. Era tudo o que eu queria.” Antes da chegada de Fidencio, os atendimentos médicos eram esporádicos. “Vinha um profissional aqui uma vez ou outra, às vezes com alguma ONG, só durante a cheia. Agora, com a minha presença, pela primeira vez a comunidade tem um médico fixo. Isso muda tudo.”
A rotina não é simples. São 15 dias direto na comunidade, sem feriados ou finais de semana, seguido de 15 dias de suporte em outras unidades de saúde na cidade. “Aqui, eu atendo de 30 a 40 pessoas por dia, mas já cheguei a atender mais. É uma população de cerca de 1.200 pessoas. E eu fico de sobreaviso 24 horas para qualquer urgência.”
O deslocamento é um desafio à parte. Na cheia, chega-se de barco em 45 minutos. Na seca, a jornada pode durar de quatro a seis horas em uma rabeta — um pequeno barco com motor na parte traseira. “A gente pega chuva, pega sol, e vai. Não tem outra opção. O acesso muda completamente com as estações.”
Doenças crônicas como hipertensão e diabetes fazem parte da rotina. Mas o grande destaque, segundo ele, são as dores na coluna. “Por aqui, quase todo mundo trabalha com açaí, pesca ou fazendo farinha. Carregam muito peso, e isso gera muitos casos de lombalgia e discopatia. Eu diria que 60% dos atendimentos são por isso.” A paixão pelo lugar e pelo que faz é visível em cada palavra. “A presença de um médico aqui representa acolhimento. Eu conheço cada paciente pelo nome. Sei da história de cada um. Isso faz toda a diferença.”
Mesmo enfrentando dificuldades estruturais, Fidencio segue firme. “Tem desafio, claro. Mas a gente tira de letra. A gente rema se for preciso, desliga o motor, passa pelo capim, liga de novo. Faz parte da missão.” E que missão. A de um médico que virou referência nacional não por onde estudou, mas por onde escolheu servir. “Eu não me vejo longe disso. Aqui eu sou mais do que médico. Sou vizinho, sou amigo, sou parte da comunidade.”
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